sexta-feira, 8 de março de 2013

EF.: A história da capoeira


Falar da história da Capoeira é, na verdade, fazer uma releitura da história do Brasil. Surgida nos primórdios de nossa colonização, logo com a chegada dos primeiros escravos, a Capoeira nasce como uma  forma de luta criada na ânsia de liberdade do povo escravo. Apesar da perseguição e da punição dada aos escravos Capoeiras, a luta sobrevive aos tempos coloniais e chega ao Brasil Império.
Jogo da Capoeira (Rugendas, 1827)

Com a vinda da coroa portuguesa ao Brasil, os grandes centros urbanos da época passam a ter uma vida econômica mais ativa, o que leva a um deslocamento da mão-de-obra escrava para estes centros. Dessa forma, a Capoeira deixa a casa grande, a senzala e os quilombos e vem habitar as ruas das grandes cidades.

Acontece também, durante esse período, uma grande modificação no padrão sociocultural do povo brasileiro. Na época, mais do que nunca, o Brasil era feito de um povo mestiço, pois a convivência ocorrida na  sociedade brasileira, após anos de política colonial, fez com que o negro, o índio e o branco miscigenassem  tanto étnica como culturalmente. Com isso, a Capoeira deixa de ser um fenômeno simplesmente ligado ao negro  escravo e passa a ser um fenômeno social brasileiro.

Durante a fase do império, apesar de já conter em seu contingente de praticantes alguns membros da elite social da época, a Capoeira agrega, na maioria de seus adeptos, pessoas das classes menos favorecidas da sociedade: escravos, ex-escravos, índios, mestiços, brancos brasileiros e europeus pobres. Estas pessoas, algumas delas ligadas à marginalidade e à boemia, começam a usar a Capoeira como uma forma de demonstrar sua insatisfação em relação à situação social, econômica e política da época. A Capoeira passa, então, a ser uma arma que gera conflitos urbanos travados nas ruas dos grandes centros, principalmente no Rio de  Janeiro, em Recife e em Salvador.
Conflitos das Maltas de Capoeiras na cidade
do Rio de Janeiro no final do século XIX

Tais acontecimentos levam a uma represália por parte das autoridades da época. Passando a ser vista como um mal social, um perigo que afligia a aristocracia brasileira e outras “pessoas de bem” de nossa sociedade, a Capoeira começa a ser perseguida de forma mais intensa, através de leis e decretos baixados pelo  império. Os Capoeiristas, vistos agora como marginais, deveriam ser presos e, muitas vezes, receber, antes
disso, açoites em praça pública, de forma a servir de exemplo aos outros que, por ventura, resolvessem infringir a lei.

Mesmo com toda a repressão, a Capoeira sobrevive durante a fase imperial, em grande parte pelo próprio temor gerado pela figura do Capoeirista. Esse temor faz com que surjam papéis sociais exercidos por esses homens. A capangagem, a polícia (por alistamento voluntário ou involuntário), a guarda negra (guarda particular da Princesa Isabel), os cabos eleitorais da época, são funções exercidas por muitos Capoeiristas.
Outros fatos começam a ocorrer com as novas leis do Império:

• Um grande número de Capoeiristas passa a ser preso e logo lotam os presídios das grandes cidades, o que gera problemas aos administradores, pois esses homens representam um “peso morto” na sociedade. Soltá-los era apenas adiar o problema, mantê-los presos representava um custo dispendioso ao governo. Com a Guerra do Paraguai, os governantes da época encontram a solução esperada. Os Capoeiristas são mandados para a guerra a fim de abrir caminho para as tropas brasileiras. Iam à frente de nossas tropas para o embate corpo a corpo, pulavam nas trincheiras inimigas armados apenas com navalhas, facas e facões, abrindo caminhos para nossos fuzileiros. O sucesso alcançado pelos Capoeiristas durante as batalhas não fazia parte do plano de nossos governantes, que passam a ter um problema ainda maior com o retorno desses homens. Muitos deles, agora heróis condecorados por bravura, passam a exigir um lugar à altura de seus feitos na sociedade. Não conseguindo tal mérito, voltam aos conflitos urbanos.

• Outro fato ocorrido com a Capoeira em decorrência das leis imperiais foi que algumas delas previam a proibição não só da Capoeiragem, mas também de diversas outras manifestações de origem negra ou indígena. Tal fato levou a Capoeira a dividir o mesmo espaço do candomblé, do samba, da música e de vários outros rituais presentes na cultura popular, principalmente aquela de cunho negro, pois nos mesmos mocambos e terreiros onde eram praticados os preceitos religiosos e ritualísticos, também se faziam as festas e danças, havia os cantos e toques e também nesses locais era praticada a luta da Capoeira. Isso fez com que a Capoeira sofresse um sincretismo cultural e renascesse, dessa vez, não só como luta, mas como uma das mais ricas manifestações culturais de nosso povo, onde a dança, a luta e a música mesclam-se num jogo de fundamentos ditado pelo ritmo dos berimbaus. Vale a pena ressaltar que esse fato ocorre mais plenamente em terras baianas e, como foi exatamente o sincretismo cultural o principal responsável pela sobrevivência da Capoeira até os dias de hoje, explica-se o mito da Capoeira baiana.

Capoeiragem Baiana do início do Séc. XX

O advento da República reforça o quadro estabelecido no começo do século XIX pela administração imperial para com a Capoeira, principalmente pelo envolvimento dos Capoeiristas na capangagem eleitoral no período de transição do Império para a República. Por dinheiro ou por um sentimento de dívida com a Coroa (devido às leis abolicionistas), os Capoeiras tomam o lado dos imperialistas, causando grandes tumultos nos comícios do movimento republicano. Em represália a essa postura, em 1890, no artigo 402 da Constituição Brasileira, a República proíbe a Capoeira, prevendo para seus praticantes a deportação para Fernando de Noronha e para a Ilha das Cobras, duas das piores prisões da época, onde ficariam condenados a serviços pesados. Cabe aqui um pequeno adendo: a primeira grande crise ministerial do Brasil República ocorreu devido à prisão de Juca Reis, sobrinho do conde de Matosinhos, figura notória da sociedade da época. Sua prisão constituiu um dos fatos mais famosos da repressão à Capoeiragem durante a república.

Neste momento de nossa história podemos notar o surgimento de três caminhos seguidos pela Capoeira.

No primeiro caminho, retrógrado, a Capoeira enfrenta a grande perseguição feita por Sampaio Ferraz, chefe do corpo da polícia e implacável perseguidor dos Capoeiras, o qual leva a luta da Capoeira a sentir o peso da perseguição e diminuir sua atuação nos conflitos urbanos. O segundo caminho é representado pelo fortalecimento do movimento de sincretismo cultural sofrido pela Capoeira em terras baianas. Nesse caminho a Capoeira retorna para as ruas, mas desta vez, não mais ligada aos conflitos urbanos e sim às manifestações culturais e aos folguedos religiosos, o que a mantém ligada aos filões sociais de sua origem. A Capoeira torna-se, também, o objeto de interesse da elite pensante da época, que busca a valorização de fatores que possam colaborar na formação da identidade cultural brasileira e cortar de vez quaisquer laços que ainda nos unissem a Portugal.

Por fim, identifica-se um terceiro caminho aberto por parte da intelectualidade da época que, seguindo a política de valorização nacional e aproveitando o sucesso obtido pelos Capoeiras na Guerra do Paraguai, deseja tornar a Capoeira um símbolo da ginástica nacional, desvinculando-a, porém, de sua origem negra. Essa corrente tenta tornar a luta da Capoeira um esporte, utilizando-se para isso os padrões brancos e europeus do boxe, do savate (luta de guerrilha francesa) e da luta livre.

Esses dois últimos caminhos são os grandes responsáveis pela sobrevivência da Capoeira até os dias de hoje, como também por sua posterior inclusão no mundo da Educação Física.

Trilhando esses caminhos, a Capoeira continua como uma contravenção penal até 1934, quando, seguindo
aos interesses de sua política populista e nacionalista e servindo diretamente aos ideais da retórica do corpo, Getúlio Vargas legaliza a prática da Capoeira em recintos fechados, garantindo, por outro lado, um controle sobre os Capoeiristas.

Apesar de todos os interesses políticos que favoreceram a legalização da Capoeira, esta só foi possível graças ao trabalho dos grandes Mestres da Capoeiragem da época, tais como: Mestre Bimba, Mestre Pastinha, Mestre Waldemar da Liberdade, Totonho de Maré, Noronha, Traíra e muitos outros, que com coragem e amor à sua arte não a deixaram desaparecer e a mantiveram viva e atuante durante o período de repressão.

A partir de sua legalização, a Capoeira passa a escrever sua história atual. Seguindo os dois últimos caminhos já citados em busca de sua legitimação: a era das academias e dos grupos folclóricos.

Fonte:
http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/escolaintegral/brinquedo,%20peteca,%20futebol.pdf





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